Esse texto já teve um
prólogo e uma
introdução (para os desinformados sobre o que raios é a corte).
Acredito que essa seja minha terceira versão deste texto. Ele já foi uma carta aberta, um manifesto, um desabafo. Só não foi um poema porque não sou tão bom assim. Pois bem, argumentemos então.
Só quero lembrar que vou transitar entre um panorama geral e o caso específico da IBMA. Ah, Aline, li os seus textos sobre corte, e me ajudaram bastante!
Qual é meu problema com a corte? É o fato de ela ser uma regra. Não só uma regra na IBMA, mas ela em si é regra, norma, mandamento. Para mim, por mais que bem intencionada, ela desrespeita a individualidade do ser humano que crê em Deus e conta com Ele para regular a sua ética e moral.
Na IBMA pratica-se o "beijo só no altar". Tenho ENORMES problemas com isso (e não pensem que é porque eu tenha um desejo oculto, luxúria indomada ardendo no meu espírito). Quero dizer, não há verdadeiro fundamento bíblico para a proibição do beijo na boca. Todas as argumentações que ouço trabalham com apriorismos extra-bíblicos (como o fato que o beijo na boca é sexo oral - RIDÍCULO! Por definição, o sexo oral é a estimulação da zona erógena masculina ou feminina. E não tem essa de "meu corpo todo é erógeno". Zona erógena é aonde está seus órgãos genitais. Acabou. Você pode
sentir prazer em ser tocada(o) em outras partes do corpo, mas zona erógena só tem uma) ou puro senso-comum - geralmente negando ao rapaz/moça qualquer controle sobre suas pulsões sexuais. Por favor, se fôssemos tão descontrolados assim, ninguém chegaria aos 12 anos virgem.
Vamos parar um pouco nessa de não conseguir se controlar. Alguém acha realmente que proibir o casal de se beijar vai bastar pra mitigar o desejo sexual? Pensei que DEUS tivesse dado isso pro homem e pra mulher. Como outros dons Dele, precisa ser
administrado, mas não suprimido. Isso porque existem cortes mais radicais, onde até pegar na mão é proibido (ou fortemente desestimulado). Da maneira que vejo, esquece-se o papel do Espírito Santo como agente vivo e eficaz que opera nossa salvação. Sem Ele pra nos santificar, não vale de nada qualquer coisa que façamos... imagina a corte!
Embora eu compreenda os pressupostos e as boas intenções dos propagadores da corte, eu realmente não consigo engolir isso tudo. Entendo que a relativização e subjetivação da ética e moral aparece de maneira assustadora para olhos tradicionais (resisto em dizer "modernos", em referência às coisas que escrevo aqui; a dicotomia moderno/pós-moderno que celebro e ataco na mesma frase) e esse tipo de resposta bem "volta às origens" - lembro de
Fredric Jameson e suas palavras sobre o presente perpétuo do sujeito contemporâneo - é totalmente compreensível, embora eu a reprove.
Calma. Respire e, se precisar, releia o último parágrafo (acho que eu mesmo vou fazer isso). Vamos voltar? O presente perpétuo, ou a minha leitura dele, é essa vontade de voltar aos "antigos fundamentos", à "antiga forma", baseados nessa
crença estúpida que antigamente as coisas eram melhores... como se a tendência do ser humano não fosse a decadência e a podridão - apesar dos chamados avanços e progressos em várias áreas do conhecimento; tudo às expensas de exploração e destruição de si e do Outro.
A imaginação, o abraçar com todas as nossas forças a subjetividade[1], configuram-se para mim nas grandes armas contra o-que-quer-que-seja-que-estejamos-lutando-contra. Não se pode quebrar escudos de ferros com lanças de madeira e pedra. Não podemos achar que Deus se prenderá numa cultura que não é a nossa por qualquer motivo que seja.
Agora, se com "corte", se quer dizer "relacionamento amoroso com ausência de intercurso sexual e carícias pré-coito (as chamadas preliminares) entre dois cristãos compromissados entre si e sua comunidade de fé com vistas a casarem-se"; bem, não é isso que "namoro cristão", uma expressão bem mais conhecida e antiga, que dizer disso? Por que mudar as palavras em primeiro lugar? Porque acharam que elas não traduziam a força de um compromisso diante da maré pós-moderna? Acharam que mudando o nome iria-se magicamente mudar o pensamento de todos e torná-los subitamente mais parecidos com o modelo de hombridade/feminilidade que se queria[2]? Pois pra mim a falácia desse esforço fica evidente.
Meu ponto: A imposição da corte como "A" alternativa a toda a carnalidade e todo mal é mentirosa. Não é a corte. É o Espírito. Sim, agora vocês concordam comigo. Mas me digam se, lá no fundo, não existe uma confiança no sistema religioso que construiu a noção da corte? Vocês também se sentem atraídos pelo medievalismo, pelo aparente cavalherismo disso tudo? Não se enganem, TUDO que a corte alega inaugurar já existia. Ela é
pastiche,
decaupagé, papéis-machê colados para formar uma estátua gigantesca. Ela própria é sintoma desses tempos sem Pai e sem Mãe.
A solução não é o resgate de um pretenso modelo cultural e historicamente condicionado, nem o falar com outra linguagem as mesmas palavras, nem normatizar a conduta dos cristãos sob o jugo da nova "Lei Mosaica". A solução é tornar cada um responsável por sua própria vida perante o Eterno e pararmos de jogar a culpa por nossos erros no diabo, no sistema ou no Outro.
Não sou eu que vou dizer a quem quer que me leia o que fazer. Sou um ser humano. Posso até recorrer à ética, à tal "Lei natural" do século XVII-XIX, aos imperativos categóricos kantianos. Mas não posso condicionar ninguém à Palavra. Ao que Ela significa
para o que a ouve. Todo o foco é o Indivíduo. É Deus, o Absoluto, o Absurdo (porque não-racionalizável), em relação dialética com o Indivíduo[3]. Não sou legitimado como autoridade eclesiástica, não possuo o
corpus doutrinário apropriado, não sou velho o suficiente pra apelar para a sabedoria das cãs, nem sou novo o suficiente para ser desculpado de possíveis heresias. Em resumo, tô ferrado!
Agora, eu sei que vai chover pedra após este texto, e quero mais jogar beisebol com elas!Por favor, critiquem, analisem, concordem, discordem...
E eu sei, tá confuso pra caramba. Desculpem por isso.
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[1] Subjetivo, aqui, é o oposto ao objetivo, isto é, relativo ao sujeito, à pessoa e não no sentido comum e incorreto de "relativo" (as oposições são relativo/absoluto e subjetivo/objetivo e
não, elas não são a mesma coisa).
[2]Que é um modelo medievalista e conservador dos papéis de gênero consagrados no Ocidente, homem dominador e mulher dominada.
[3] Vide Kierkegaard em
Temor e Tremor para a noção de Absurdo, Rudolph Otto sobre a irracionalidade do Sagrado (que ele chamava de caráter
numinoso) e Karl Barth em
Church Dogmatics sobre a dialética entre Deus e o homem. Ou você pode buscar na Wikipedia, eles tem boas introduções sobre esses autores. Se você colocar em inglês, acho até melhor, mesmo que os artigos em português não sejam tão maus assim.