sábado, 21 de junho de 2008

Sobre testemunhos


Que bobagem!


Isso tudo de "testemunho cristão" enquanto regulações morais e éticas de um indivíduo que professa determinada fé — melhor dizendo, até porque "fé" é MUITO mais profundo que isso — indivíduo (talvez não no meu sentido da palavra) que aceita pautar sua vida pública e privada por um compêndio de regras e normas morais e éticas que nunca lhe são formalmente ensinadas, porém são constantemente sussurradas, lentamente injetadas na sua mente até formarem um edifício regrado e maciço de puro farisaísmo. E o pior, será um farisaísmo inconsciente, alienado, pois ignorará a grande Verdade da Graça Imerecida, o inelutável fato que Deus nos ama e toda a história da Redenção é uma narrativa de amor imerecido, de verdadeira, sublime graça; "pela graça sois salvos" e completo: é pela graça que viveis ainda.


Quero então dizer que o cristão não deve "dar testemunho", isto é, viver de forma que outros o reconheçam como cristão? Claro que não. Na realidade, o viver cristão é diferente por definição e qualquer um que resolva viver desta forma chamará a atenção dos que estão ao seu redor[1]. A questão toda começa a se tornar problemática quando este testemunho é reduzido a um simples “faça-não-faça”, transformando tudo num imenso jogo de aparências (principalmente para si mesmo), o popular “baile de máscaras” que as igrejas se tornaram, mesmo que eles o façam com boas intenções: “vigiar”, ter “prudência”, ter um “direcionamento” para se fazer (ou não) tal e qual coisa… por trás das palavras tão belamente dispostas e utilizadas está um desejo inconsciente de não ir longe demais, de permanecer onde se está, de puro e simples medo.

De boas intenções o inferno está cheio


Sobre as causas deste comportamento, vou me limitar a dar alguns rumos e lançar alguns apontamentos. Acredito que uma boa parte disso vem do desejo de pertencer a uma “galera”, a velha busca de aceitação do ser humano pelos seus pares (talvez ainda não tenha dito aqui, porém alguns vínculos com nosso “método” de tratar novos convertidos são vistos aqui); a falta de instrução dos fiéis nas colunas da doutrina (sim, elas são importantes… não como novo Pentateuco, mas são responsáveis por grande parte da coesão interna da igreja local), o que leva a essa atitude de “andar em roda” buscando a última novidade gospel[2]; a pura falta de auto-conhecimento que também tem suas raízes fora da igreja local, penso aqui de novo em Walter Benjamin e sua noção de relações “eu-coisa” ou em Guy Débord e sua sociedade do espetáculo mediadora dos homens através das imagens; outros fatores podem até ser pensados, mas por enquanto deixo isso aí pra pensar(mos).

Os evangélicos não gostam de admitir o quanto são influenciados pela sociedade, por acreditarem neste entendimento torto do que significa ser “luz do mundo”, que seja essa qualidade de ficarem socialmente separados do “mundo” (erroneamente identificado com a sociedade) — herança de um ascetismo puritano equivocado — que seja tudo para eles! Se tanto querem ser diferentes, que vão, run to the hills, pois heaven can wait, afinal, the evil that men do goes on and on… sem trocadilhos agora, pois realmente o tema é grave.

Pensar desta forma é um verdadeiro aleijamento do Cristianismo. Meu ataque contra esse falso ascetismo não é meu, é bíblico: “Comei de tudo que se vende no açougue”, pois “do Senhor é a terra e sua plenitude”, ou ainda “Não é o que entra, mas o que sai, isto é o que contamina o homem”, penso ainda na defesa da Graça que Paulo faz repetidas vezes (Efésios, Gálatas, Colossenses…) e na própria epístola de Hebreus que mostra Jesus como o “Mediador de um novo pacto” onde o domínio da Lei para o pecado não mais existe.

A questão da motivação do coração, ou seja, a disposição interior do homem ao faze/pensar qualquer coisa, caracterizando-a como pecado ou não, mostra-se claramente aqui. Quando tornamos o testemunho cristão uma questão de normas e regras éticas, esquecemos a dimensão da Graça neste processo. Mais importante do que o que consideramos certo, importa perguntar(mos) — sem esquecer o, como diz na Ética dos Pais, “volta e volta à Lei Divina” — o que é certo.



[1] “Amaras a Deus acima de todas as coisas” e “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”, entendendo-se “amor” no sentido paulino de caritas, caridade (1 Co 13), isto é, prática bondosa de um indivíduo para outro e deste indivíduo para com o Absurdo que é o Eterno.

[2] Fico devendo uma postagem sobre a “gospelização” do Evangelho brasileiro, ou belenense.